
Vivencio agroecologias plurais e costuro ideias com palavras-imagens
Conto o que vejo, semeio o imaginário
Ao contar, teço memórias e celebro a ciclicidade do tempo.

Nas andanças a campo, vivencio diversas histórias que me comovem. Dentre elas, observo que a realidade do campo é muito distinta ao imaginário das pessoas citadinas.
Poucas vezes pensamos realmente o que o rural reserva. É um lugar muito especial e, ao mesmo tempo, esquecido e pouco valorizado — mesmo nos alimentando três vezes por dia, pouco conectamos nosso prato com o campo, nem com o caminho que o alimento faz para estar ali.
O que sempre impressiona é que essas pessoas que habitam o campo, de alguma forma, têm suas histórias de vida atravessadas por essa espécie de esquecimento. Em algum momento, ele aparece.

Em alguns contos, evidencio que muitos corpos de pessoas que moram no meio rural estão doentes. Mais do que doentes, esses corpos doem — corpos esses que foram objetificados para o trabalho pesado, sem permissão para o prazer ou o relaxamento.A narrativa da vida bucólica e romantizada do campo versus a correria exaustiva das cidades convive com a contradição do abandono desses lugares e suas populações — abandono de políticas públicas, equipamentos de saúde, lazer, educação, transporte.


Em contraponto, a agroecologia como prática se apresenta como um desabrochar, que oportuniza colorir essas existências com um novo propósito — seja pelas oportunidades de organização de forma coletiva, pela proteção da vida do solo, das plantas, dos animais. A transição agroecológica representa, para muitas histórias de vida no campo, uma "chave de virada" para a saúde.
O conceito de saúde pode ter muitas dimensões. São muitas as "saúdes" tocadas quando se escolhe deixar de utilizar o pacote de venenos e práticas da agricultura convencional: a saúde do solo, da água, das plantas, do ar, das relações — a saúde vinda da autoestima e da oportunidade do bem-viver.
Importante contar que a escolha pela transição agroecológica (na grande maioria dos casos) surge a partir de eventos críticos e problemas de saúde de agricultores e agricultoras em resposta ao modelo hegemônico de produção de alimentos.A escolha por um modelo mais sustentável e saudável, muitas vezes, não é apenas uma oportunidade — mas torna-se uma necessidade para seguir existindo.

Escolho — para começar — dois contos que têm em comum um cenário de dor, poesia e ludicidade.Assim como o agro invade os territórios, também invade o corpo que é território — das pessoas, dos animais, dos rios, do solo, da biodiversidade.A luta é pela saúde dos territórios e desses diversos corpos entrelaçados — o nosso, o do solo, das águas e das florestas.
Os personagens dos contos encontram a liberdade de se redefinir por meio de práticas manuais e meditações ativas. Ainda que por breves instantes, isso lhes permite redesenhar sua história, apagar memórias do que não escolheram para sua jornada, e se transformar em catadores de sonhos e tecelãs do tempo.